Outro dia me peguei pensando
que desaprendi a dançar. Sim. Dança mesmo, dois pra lá dois pra cá. Um rodopio
seguro. Um caqueado mais elaborado
com os pés. Uma troca diferente de passos. Um molejo ritmado no quadril. Um
remelexo no ombrinho. Tudo isso era tão simples. Fácil. Mesmo quando eu tinha
40kg a mais. Ia do samba ao xote no mesmo compasso. Passava do bolero ao carimbó
com uma naturalidade nata. Sacudia da MPB ao Pop. Dançava de par. Dançava
sozinha. Dançava em grupo. Seguia o ritmo e sacudia sem vergonha. Sem medo de
errar. Sem querer parecer bailarina. Apenas para me divertir. Sem a obrigação
de parecer certa. Sem o medo de parecer ridícula.
Hoje, até o dois a dois parece
difícil. Inventar um passo novo está fora de questão. O ritmo parece não fazer
mais sentido aos meus membros. Não consigo acompanhar fisicamente as batidas.
Rs. Será que meu ziriguidum já era? É embaraçoso demais. Não sambo mais. Só arrisco
o xote sentada. Não invento mais compassos. Sozinha, em par ou em grupo me
limito ao tímido clássico dois pra lá, dois pra cá. Ainda assim, sempre com o
receio de estar sendo ridícula.
Lembro que quando era mais
novinha sempre via minha mãe, minhas tias e os mais velhos em geral parecendo ridículos
engraçados em rodinhas de dança. Aí comecei a me questionar: Será que vamos ficando
velhos e desaprendemos a dançar? Será que perdemos o equilíbrio, logo, o ritmo?
É certo que conforme a idade vai chegando, o eixo gravitacional vai mudando. Um
desequilíbrio físico começa a responder ao que veio a gravidade.
Aí, veja bem, me ocorre que quando
somos pequenos, tudo é motivo de aplausos e risos de carinho. "Nossa, olha
como é desengonçado... Igual ao pai". “OOOHHHH!!!”. Sorrisos e suspiros
derretidos. "E a falta de ritmo da mãe? Lindoooo!". “Faz de novo?!”.
O ridículo é fofo. Então repetimos incansáveis vezes. Somos o personagem
principal de um espetáculo engraçado, de amor, de fofura e derretimento pelos desencontros
dos nossos movimentos. Ensaiamos muito. Crescemos com a ideia de que podemos
fazer bonito frente ao público.
Ai vem a famigerada etapa da
autoafirmação. Chegamos naquela fase em que somos os donos do mundo. Tudo
sabemos. Tudo podemos. Somos os melhores. E aquela ideia incutida de que dançamos
muito e somos lindos continua ali. Libertamos então o dançarino nato que há em
nós. Não importa se alguém acha o contrário. Nós sabemos que somos bons.
Afinal, ouvimos isso em boa parte da vida. Ah, e como ensaiamos... Assim vestimos
a armadura da coragem e seguimos dando show nas baladas da ‘flor da idade’.
Quando
passamos do período de afirmação exacerbada adolescente extrema
sapiência, começamos a entrar em um estado de realidade absurda em que
começamos a questionar tudo e acabamos descobrindo que na verdade não sabemos
nada. As reais descobertas ainda estão por vir. E o dançarino? Descobrimos um
senso crítico meio absoluto. A autoafirmação dá lugar a auto avaliação.
Passamos de engraçadinhos safos a
ridículos. Nos contentamos então a um balanço tímido com passinhos desengonçados.
É verdade que a idade traz mesmo aquele certo desequilíbrio físico, a gravidade
começa a fazer mais sentido. Mas o que mais muda mesmo é nosso senso. O bom
senso. O senso crítico. O senso.
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